Questões e respostas

Leitora, sim ou não?

Uma jovem casada com um rapaz que é divorciado poderá exercer o ministério de leitora? Ambos participam assiduamente na comunidade.

 

Não posso responder com um simples "sim" ou "não" à sua pergunta, porque lhe faltam muitos elementos importantes para uma avaliação correcta da situação.
A pessoa mais indicada para emitir um juízo válido sobre o caso é o pároco desse casal.
Apenas posso lembrar, nesta minha resposta, aquilo que nos propõe a história do leitor, que é das mais belas que a tradição trouxe até nós.
Vou lembrar o que escreveu S. Cipriano, bispo de Cartago, numa carta do ano 250, a propósito de um jovem cuja vida constituía um ensinamento para quem o conhecia, que estivera preso e quase expirara sob os tormentos a que foi submetido pelos juízes pagãos que o julgaram, por causa do testemunho da sua fé em Cristo, e que o Senhor restituiu, são e salvo, à respectiva comunidade paroquial, ainda com as marcas bem visíveis de quanto sofrera, e que o seu bispo escolheu para leitor.
«Temos de reconhecer e acolher, amados irmãos, os benefícios divinos com que o Senhor se dignou honrar e glorificar a sua Igreja em nossos dias, ao conceder a liberdade aos que confessaram nobremente a Cristo… Durante dezanove dias, Celerino esteve encerrado no cárcere, submetido ao cepo e aos grilhões… Brilham no seu corpo glorioso as cicatrizes resplandecentes das feridas… Não é novo nem vulgar este título de glória no nosso caríssimo Celerino, [pois seus tios e avó Celerina foram mártires antes dele]… Como veio ter connosco com sinais evidentes de que o Senhor o aceitara, tendo-se tornado ilustre pelo testemunho e a admiração mesmo daquele que o perseguira, que faltava senão fazê-lo subir ao ambão, que é o tribunal da Igreja? Assim, olhando para nós de cima desse púlpito elevado, passe a ler publicamente os preceitos e o Evangelho do Senhor, que ele próprio vive com coragem e com fé. Faça-se ouvir todos os dias, na proclamação da Palavra, a voz que confessou o Senhor. Enquanto escutamos da sua boca o texto evangélico, cada um nada mais tem a fazer do que imitar a fé do leitor» (cf. S. Cipriano de Cartago, Carta 39: Livro do Leitor, p. 56-59).
As últimas frases deste texto lindíssimo, escrito por um bispo, em louvor de um simples leitor, são muito próprias para nos levarem a reflectir sobre o caso que nos coloca na sua pergunta, caríssima consulente. O conhecimento e meditação deste e de outros documentos semelhantes, nas nossas comunidades, pelos cristãos em geral e particularmente pelos leitores e candidatos a leitores, talvez fosse mais útil do que muitos cursos e preparações que aí se fazem.
A mim causam-me particular impressão as seguintes expressões: «o ambão é o tribunal da Igreja…», ou seja, aqueles que sobem ao ambão para ler, são os primeiros a ser julgados pelas próprias palavras que proclamam. O ambão é um tribunal, ou seja, um lugar de julgamento. Julgamento que consiste em pôr em confronto o que cada leitor lê com aquilo que é e com a vida que leva. Se muitos candidatos a leitor caíssem na conta disso mesmo, seriam eles próprios os primeiros a não desejar ser leitores, porque quer queiramos quer não, as palavras que o leitor aí lê são-lhe dirigidas em primeiro lugar a ele, e só depois a cada membro da assembleia.
Outra frase que me chamou a atenção foi esta: «Enquanto escutamos da sua boca o texto evangélico, cada um nada mais tem a fazer do que imitar a fé do leitor». Imitar a fé quando a vida é vivida em sintonia com aquilo em que acreditamos é uma graça de Deus. Era tão bom que os leitores e os cristãos se deixassem julgar no íntimo da sua consciência pela palavra que lêem ou escutam! Talvez esse julgamento pessoal e as mudanças a que nos conduziria substituíssem, com vantagem, os julgamentos a que somos sujeitos na praça pública, e que, em vez de levarem a uma mudança de vida, nos deixam ficar na mesma ou quase.
Devo acrescentar ainda mais uma observação. Este jovem, quando instado pelo seu bispo a aceitar ser leitor, começou por se escusar: «Tendo ele dúvidas, pela sua parte, em dar o seu consentimento, a própria Igreja, numa visão nocturna, o admoestou e encorajou a não dar uma resposta negativa às nossas instâncias. Foi isto o que mais o forçou e convenceu…» a aceitar o ministério de leitor na sua comunidade paroquial.
Como vê, caríssima consulente, estamos nos antípodas do que acontece muitas vezes hoje. Muitos cristãos julgam quase sempre que têm direito a isto e àquilo, a ser escolhidos para este serviço ou aquele, e quando os párocos o não fazem, são eles que lhes chamam a atenção para a "injustiça" de uns serem tudo e outros nada. Naqueles tempos, um jovem com qualidades e estofo de vida que chegaria para uma multidão de fiéis dos nossos dias, achava que não tinha qualidades suficientes para ser simples leitor.
Penso em tudo isto e não sei bem que conclusão tirar. Se a minha consulente souber, diga-mo, para me instruir.
Termino com mais uma citação extraída de "O Livro do Leitor", p. 99: «É a capacidade que o leitor tem para fazer uma boa leitura, juntamente com as qualidades de uma vida em consonância com o Evangelho, que o tornam um instrumento apto para Se fazer ouvir…».
Quero dizer-lhe que estas palavras não significam que a Igreja, nas suas orientações, pretenda julgar seja quem for nas opções de vida que livremente quis ou pensa tomar. O que ela faz é pôr condições e dizer que, para aceitar alguém como candidato a acólito, a leitor ou a presbítero, exige do escolhido ou da pessoa que se propõe a si mesma, determinadas qualidades ou capacidades. Não é depois de alguém ser escolhido para leitor que a Igreja fala das qualidades duma vida em consonância com o Evangelho, mas antes. E compreende-se porquê. A Igreja tem sempre que ter em conta que os ministros são para servir as comunidades, e estas são as primeiras a reagir perante certas escolhas.
Mais ainda: na liturgia ou noutra qualquer actividade pastoral da Igreja, o resultado final não é apenas fruto do "trabalho do homem", mas sobretudo da graça de Deus. Um leitor deve ser ou tornar-se um instrumento apto nas mãos de Deus, sobretudo por uma vida de união ao Senhor, segundo os valores propostos por Jesus Cristo aos seus discípulos no Evangelho. Os critérios de vida cristã distinguem-se claramente dos critérios de vida sem referência evangélica. Jesus utilizou muitas vezes esta expressão: «Ouvistes que foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos…». A Igreja não pode fazer de conta que isto não foi dito, sob pena de não ser fiel ao seu Senhor, e de querer, ela própria, ensinar outro Evangelho diferente daquele que Jesus lhe deixou e mandou anunciar com fidelidade.

Um colaborador do SNL