Dicionário elementar de liturgia

José Aldazábal

 

Reforma litúrgica

 

O Concílio Vaticano II, precisamente com o seu primeiro documento, pôs em marcha a reforma da celebração litúrgica: «para que o povo cristão mais seguramente alcance graças abundantes na sagrada Liturgia, a Santa Mãe Igreja deseja fazer uma cuidada reforma geral (“generalem instaurationem”) da mesma Liturgia» (SC 21). Já antes, dentro deste mesmo século XX, Papas como S. Pio X, à volta do Saltério, do calendário e do canto litúrgico, e Pio XII com a sua «carta magna» da Liturgia, Mediator Dei, e a sua reforma da Semana Santa (anos 1951-1955), tinham dado passos nesta reforma, seguindo e apoian¬do o Movimento Litúrgico. Mas, agora, o Concílio empreende-a com maior profundidade.
Percebe-se claramente que a finalidade é pastoral: que a comunidade cristã possa participar com maior proveito na celebração do mistério de Cristo. E o motivo é que «a Liturgia compõe-se de uma parte imutável, por ser de instituição divina, e de partes sujeitas a modificações que, no decorrer do tempo, podem ou até devem variar, se porventura nelas se tiverem introduzido elementos que não correspondam tão bem à natureza íntima da mesma Liturgia ou se tenham tornado menos apropriados» (SC 21). Era evidente que este era o caso na liturgia cristã em bastantes aspectos.
Todo o primeiro capítulo da Sacrosanctum Concilium, com o título de «Princípios gerais para a reforma e desenvolvimento da Sagrada Liturgia» (SC 5-46), vai dando orientações e critérios para realizar adequadamente esta reforma litúrgica na Igreja católica ocidental: a centralidade de Cristo e do seu Mistério Pascal, a eclesiologia de comunhão, a primazia da Palavra.
Antes de acabar o Concílio, Paulo VI constituiu o «Consilium ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia», sob a direcção do cardeal Lercaro e do secretário Bugnini, mas, sobretudo, animado, permanentemente, de muito perto, pelo próprio Paulo VI. Nos anos seguintes, até 1969, sob a orientação do «Consilium», e, a partir desta data, directamente pela Congregação do Culto Divino, foi ingente a obra que se realizou no caminho desta reforma: Instruções, documentos orientativos e, sobretudo, os novos livros litúrgicos que foram aparecendo, totalmente revistos, e fruto de um trabalho aturado por parte de muitas comissões de pastores e peritos, com maior abundância de textos alternativos e de estruturas mais diáfanas.
No Enchiridion da documentação litúrgica pós-conciliar, toda a primeira secção, intitulada «reforma litúrgica», oferece os principais documentos e instruções. Mas a seguir, em cada uma das outras secções, depois do documento conciliar correspondente, aparecem sempre outros que dão conta da intensa actividade de reforma que se realizou na Igreja nestes anos pós-conciliares. Sem contar os vários congressos e as reuniões de comissões litúrgicas nacionais e eclesiais, que marcam o ritmo da preparação, aparição e aplicação dos novos livros litúrgicos.
A revista Notitiæ, desde 1965, é testemunho documentado do caminho desta reforma por parte da Igreja Universal e das diferentes Conferências Episcopais e suas respectivas comissões.
A recepção desta reforma foi, em geral positiva, e com grande proveito para a Igreja: a primazia da Palavra, a perspectiva mais teológica de toda a celebração, a participação mais activa da comunidade, uma imagem diferente dos ministérios, a centralização mais clara da Páscoa e do Domingo no ano litúrgico, as línguas vivas, a adaptação da linguagem… Mas houve também algumas reacções muito duras, pouco claras quanto às justificações, contra a reforma globalmente considerada, como as que se dirigiram, desde o princípio, contra a reforma da Missa, e que deram lugar a um Proémio de Paulo VI, em defesa da obra realizada, na edição do Missal Romano de 1970.
Certamente houve deficiências, antes de mais na confecção dos novos livros, necessariamente condicionada pela urgência com que se preparavam, e que se vão melhorando em sucessivas edições. Mas «a maior parte das dificuldades encontradas na actuação da ¬reforma da liturgia provêm do facto de que alguns sacerdotes e fiéis não tiveram, quiçá, um conhecimento suficiente das razões teológicas e espirituais pelas quais se fizeram as mudanças, segundo os princípios estabelecidos pelo Concílio» (Inæstimabile donum, de 1980, in EDREL 2867). Fica muito por fazer nesta formação e também na adaptação da linguagem e na sua inculturação. Estão a fazer-se estes esforços em todos os níveis.