Dicionário elementar de liturgia

José Aldazábal

 

Penitência

 

Vem do latim, pænitere (arrepender-se).
O seu primeiro sentido é o da «virtude da penitência», como atitude interior de arrependimento, que é a fundamental: a conversão continuada a Deus e a Cristo. Sobre este aspecto, falou muito desenvolvidamente Paulo VI, na sua Constituição Apostólica de 1966, Pænitemini (sobre a reforma da disciplina eclesiástica da Penitência). Aqui, falamos sobretudo da penitência como sacramento, tratado, teológica e liturgicamente, sobretudo no novo Ritual (Ordo Pænitentiæ) da Celebração da Penitência (CP).
A primeira mensagem de Jesus, e, depois, da comunidade apostólica, foi a conversão e o perdão dos pecados. A reconciliação que Deus nos concedeu em Jesus Cristo, sobretudo na sua morte e ressurreição, agora no-la comunica através do ministério da Igreja, para que os penitentes se tornem partícipes da vitória pascal de Cristo sobre o mal e o pecado. Isto acontece inicialmente pelo sacramento do Baptismo, e, posteriormente, de modo específico, pelo da Penitência (Reconciliação).
«A Igreja nunca deixou de chamar os homens do pecado à conversão e de manifestar, pela celebração da Penitência, a vitória de Cristo sobre o pecado» (CP 1).
Ao longo dos séculos, foi-se organizando o processo da reconciliação sacramental com diferentes formas, nas diversas regiões da Igreja. Mas era comum considerar que as situações graves (sobretudo a idolatria, o homicídio e o adultério) requeriam uma reconciliação explícita com Deus e com a Igreja.
No princípio, segundo as notícias de que dispomos deste caminho penitencial (séculos III-IV), tratava-se da chamada «penitência pública». Desde a acusação até à absolvição sacramental havia um período mais ou menos longo em que os penitentes, agrupados no «Ordo pænitentium», faziam obras de conversão e a comunidade acompanhava-os com a sua oração e acolhimento. Concluía-se com uma explícita reconciliação com a Igreja e com Deus, nas Vésperas da Páscoa, pelo ministério do Bispo e na presença da comunidade: no Rito Romano, em Quin¬ta-Feira Santa, e, na liturgia hispânica, na Sexta-Feira Santa.
Este processo penitencial, que se fazia uma só vez na vida – os monjes e clérigos não eram admitidos a ele – depressa foi considerado demasiado rigoroso. Além disso, ia crescendo a convicção de que não só os pecados graves, mas também os menos graves requeriam a reconciliação. Ao longo dos séculos VII-XI, organizou-se a chamada «penitência tarifada»: com um processo penitencial segundo a gravidade dos pecados, mais personalizado, com o mi¬nis¬tério reconciliador de um sacerdote, no final, e com a possibilidade de o repetir mais de uma vez na vida. Depressa se chegou à «penitência privada», na qual se realizava o caminho de conversão e de reconciliação com maior bre¬vidade, seguindo a absolvição imediatamente à acusação pessoal, e com uma frequência que admitia também a «confissão devocional». Já no século XIII, o sacramento tinha evoluído para a forma que nós conhecemos, antes da actual reforma.
O Concílio Vaticano II incumbiu que se revissem: «o rito e as fórmulas da Penitência, de modo a que exprimam mais claramente a natureza e o efeito do sacramento» (SC 72). Após uma longa elaboração, em 1974, publicou-se o novo Ordo Pænitentiæ, o Ritual da Celebração da Penitência (ed. portuguesa 1976) 19.
Este Ritual apresenta o sacramento em três formas ou estruturas diversas: a) rito para reconciliar um só penitente, com confissão e absolvição pessoais; b) rito para reconciliar vários penitentes, comunitariamente, com confissão e absolvição individual; c) e um terceiro rito para reconciliar muitos penitentes, com confissão e absolvição geral.
As duas primeiras formas apresentavam-se já, desde o princípio, como o único modo ordinário para a reconciliação dos fiéis com Deus e com a Igreja (cf. CP 31). A terceira, considerada extraordinária, quando é, física ou moralmente, impossível realizar as formas anteriores do sacramento.
Em todos os casos, por parte do ¬penitente, o sacramento pressupõe o arre¬pen¬dimento interior, a confissão das cul¬pas graves e a disposição de fazer as obras de satisfação. Por parte do ministro da Igreja, além do acolhimento e dos oportunos conselhos, sobretudo a absolvição.
O novo Ritual usa uma linguagem que destaca estes valores no processo sacramental da Penitência:
• por parte de Deus, a misericórdia e o perdão;
• um claro sentido trinitário: o Pai que acolhe e perdoa, Jesus Cristo que nos comunica a sua vitória pascal sobre o pecado, e o Espírito que nos move à conversão e nos comunica a graça de Cristo;
• a importância da Palavra de Deus que nos anuncia o perdão e nos convida à conversão;
• o papel da comunidade eclesial em todo o processo da reconciliação;
• o carácter mais celebrativo do sacramento, comparado com o anterior.
Na introdução ao Ritual, explica-se e descreve-se bem todo o processo sacramental da Penitência (ver também em EDREL 2946-2979). Podem ler-se as páginas que o Catecismo dedica ao artigo do Credo «Creio na remissão dos pecados» (CIC 976-987) e, sobretudo, ao «Sacramento da Penitência e da Reconciliação» (CIC 1422-1498).

--> Absolvição. Confissão.