Dicionário elementar de liturgia

José Aldazábal

 

Ano Litúrgico

 

Chama-se Ano Litúrgico ou Ano Cristão à organização do ano como celebração progressiva do mistério de Cristo: «A Santa Mãe Igreja considera ser seu dever celebrar com uma sagrada recordação, em deter¬mi¬nados dias ao longo do ano, a obra de salvação do seu divino Esposo. […] Distribui todo o mistério de Cristo ao longo do ano, desde a Encarnação e Nascimento até à Ascensão, ao Pentecostes e à expectativa da feliz esperança da vinda do Senhor» (SC 102).
O começo e o ritmo do Ano Litúrgico é distinto do ano civil, escolar ou comercial. Na liturgia romana, começa com o primeiro domingo do Advento. No passado, houve épocas e famílias litúrgicas que o iniciavam na Primavera ou no Outono.
Na realidade, o próprio nome e a unidade orgânica que hoje tem são bastante recentes. Desde as primeiras gerações celebrou-se o domingo, como dia pascal semanal. «Em cada semana, no dia a que chamou Domingo, faz memória da Ressurreição do Senhor que também celebra uma vez por ano, juntamente com a sua Paixão, na maior das solenidades que é a Páscoa» (SC 102). Muito cedo, a festa anual da Páscoa – que já se celebrava pelo menos no século II – prolongou-se pelo Tem¬po Pascal, os cinquenta dias até ao Pentecostes, e, no século IV, antecipou-se--lhe um tempo de preparação, a Qua¬resma. Também no século IV, no Ocidente, organizou-se o Natal, e, no Oriente, a Epifania, acompanhados também, mais tarde, por um período de preparação, o Advento, mais ou menos longo, segundo as várias liturgias. A pouco e pouco, e começando pelas memórias dos mártires e festas marianas, organizou-se também um calendário das Festas dos Santos.
Assim, o Ano Litúrgico compõe-se de dois ritmos: o «Temporal», que se¬gue os mistérios de Cristo, e o «Santoral», que recolhe as celebrações da Virgem e dos Santos. Ambos, em rigor, celebram o mesmo Mistério Pascal de Cristo, em si mesmo ou nos seus melhores frutos, os Santos: cf. SC 103, para a Virgem Maria, «o fruto mais excelso da Redenção», e cf. SC 104 para os Santos, nos quais a Igreja proclama «o Mistério Pascal realizado neles».
O Vaticano II (cf. SC 107-111) determinou que se procedesse a uma revisão do Ano Litúrgico, que se veio a concretizar nas «Normas Gerais» de Paulo VI e no novo Calendário, surgidos em 1969. Os critérios que se seguiram para esta reforma foram os que o Concílio recomendou: a prioridade do *ciclo do Senhor («Temporal») em relação ao dos Santos, a importância do domingo como a festa principal, a simplificação do calendário com a supressão de alguns elementos desnecessários (Septuagésima, oitava do Pentecostes) e a revisão do Santoral, destacando algumas festas para o calendário universal e reservando outras para os particulares.
O Ano Litúrgico não tem só uma finalidade catequética, à maneira de uma revisão pedagógica dos vários mistérios de Cristo, desde o seu nascimento até à sua Ascensão, como modelo de vida cristã. Tem também, e viu-se com clareza sobretudo desde O. Casel e da sua teologia da «presença do Mistério», uma chave teológica e sacramental: na celebração da Igreja, o próprio Se¬nhor, Cristo Ressuscitado, torna presente o seu Mistério salvador, comunicando assim à comunidade a sua graça específica, para que participe dela e a viva: «Recordando assim os mistérios da Redenção, oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor para que, de certo modo, se tornem presentes em todo o tempo, a fim de que entrem em contacto com eles e se encham da graça da salvação» (SC 102).
O «in illo tempore» (naquele tempo) converte-se, no decorrer do «ciclo anual da celebração dos mistérios de Cristo» (SC 103), no «hodie» (hoje): a celebração do mistério de Cristo o torna Ele mesmo presente para a sua comunidade.
«Partindo do Tríduo Pascal, como da sua fonte de luz, o tempo novo da ressurreição enche todo o ano litúrgico da sua claridade. Progressivamente, dum lado e doutro desta fonte, o ano é transfigurado pela liturgia. Ele é realmente o ano da graça do Senhor (cf. Lc 4,19) [...] O ano litúrgico é o desenrolar dos diferentes aspectos do único Mistério Pascal» (CIC 1168.1171).

-->Calendário. Mistério Pascal. Temporal. Tempo. Santoral.