Dicionário elementar de liturgia

José Aldazábal

 

anjos (culto)

 

A palavra anjo vem do grego, aggelos (enviado, mensageiro).
Embora pareça evidente que diminuiu, nestes últimos anos, o apreço e o culto dos anjos, pelo menos no Ocidente, o certo é que tanto a Bíblia como a liturgia falam muito deles e atribuem-lhes um papel significativo na nossa vida de fé. Não é tanto a nossa iniciativa ou o nosso interesse, mas a revelação bíblica que nos fala deles.
Desde o Génesis (3,24: os querubins à porta do Paraíso) até ao Apocalipse (5,11: os anjos que cantam os seus louvores ao Vencedor e a Deus), passando pelos anjos que anunciam a ressurreição de Cristo, a História da Salvação mani¬festa-nos a presença continuada destes seres misteriosos, espíritos puros, que não sabemos definir. A Bíblia não se preocupa em revelar-nos a sua essên¬cia, mas apresenta-os na sua actuação: os anjos adoram a Deus, actuam como mensageiros da sua vontade, ajudam e protegem os homens, caminham diante do Povo eleito e protegem-no.
São eles que anunciam a Maria, a José e aos pastores o nascimento do Filho de Deus, os que assistem Cristo, depois das tentações do deserto ou na agonia do horto, os que dão testemunho do sepulcro vazio e orientam os discípulos depois da Ascensão… Jesus afir¬ma que os anjos dos «pequenos» estão continuamente na presença do Pai (cf. Mt 18,10). Na parábola do rico glutão diz-se-nos que quando morreu o pobre Lázaro, «foi levado pelos anjos ao seio de Abraão» (Lc 16,22). Um anjo liberta Pedro do cárcere rompendo as suas cadeias e condu-lo até à comunidade (cf. Act 12,7-11). Na visão do Apocalipse, junto aos seres viventes, aos anciãos e à multidão dos salvos, os anjos aparecem numa atitude guerreira de luta contra o maligno, às ordens do arcanjo Miguel (cf. Ap 12,7ss; cf. Dn 10,13) e, ao mesmo tempo, de louvor vitorioso ao Cordeiro e a Deus sentado no trono:
«ouvi a voz de muitos Anjos […]. Eram miríades de miríades e milhares de milhares, que diziam em alta voz: “Digno é o Cordeiro…”» (Ap 5,11-12). No final da história, «quando o Filho do Homem vier na sua glória», estará acompanhado de «todos os seus anjos» (Mt 25,31).
Não é nada estranho que, se a Bíblia nos fala com tanta insistência dos anjos, também na nossa celebração litúrgica os tenhamos presentes:
• na Oração Eucarística, somos convidados na aclamação do «Sanctus», em união com os anjos [serafins], imitando o seu cântico de louvor a Deus, segundo Is 6,3, porque «inumeráveis coros de Anjos estão na vossa presença para Vos servir e, contemplando a glória do vosso rosto, dia e noite cantam os vossos louvores», como diz a Oração Eucarística IV;
• a Oração Eucarística I pede a Deus que a oferenda da Igreja «seja apresentada pelo vosso santo Anjo no altar celeste»;
• é lógico que, no *ciclo do Natal, nos recordemos dos anjos na nossa ora¬ção: eles anunciaram a Zacarias o pla¬no sobre o seu filho João, eles cantaram «Glória a Deus nas alturas», na noite bendita de Belém, anunciando aos pastores a Boa-Nova, e guiaram com as suas mensagens Maria e José na sua delicada missão;
• o mesmo há que dizer do ciclo da Páscoa, pela presença já recordada dos anjos nas tentações, na agonia do horto e na Ressurreição e Ascensão de Cristo; com razão, na noite de Páscoa, se começa o Precónio convocando-os também a eles para a alegria universal: «Exultem por fim os coros dos anjos»;
• quando nos momentos penitenciais rezamos o «Confesso a Deus», dizemos: «por isso, peço à Virgem Maria, aos Anjos e aos Santos, e a vós, irmãos, que rogueis por mim a Deus, nosso Senhor»; também os anjos têm parte no caminho da nossa conversão a Deus;
• quando em Completas rezamos o Salmo 90[91] «Tu que habitas sob a protecção do Altíssimo...» (v. 1), mostra-nos a nossa confiança face à noite, «porque Ele mandará aos seus Anjos que te guardem em todos os teus caminhos» (v.11);
• nas Ladainhas dos Santos, a invocação dos santos anjos e arcanjos vem imediatamente depois da da Virgem Maria;
• nas exéquias cristãs apela-se aos anjos para que, junto com a Virgem e os Santos, saiam ao encontro do defunto e o acompanhem à glória: «in paradisum deducant te angeli: que os anjos te conduzam ao paraíso»; do mesmo modo se pede, nas orações da sua missa, «ver-nos sempre defendidos pela sua protecção e gozar eternamente da sua companhia», «que a sua contínua protecção nos livre dos perigos presentes e nos leve à vida eterna»;
• em 29 de Setembro, actualmente, recordamos em conjunto os três anjos principais, Mi¬guel (que significa «quem como Deus?», recordando a luta do Apo¬calipse), Rafael («medicina de Deus», o que curou e guiou Tobias) e Gabriel («fortaleza de Deus», o mensageiro do nascimento de Jesus); sabemos que, já desde o século V, em Roma, havia uma basílica dedicada ao arcanjo Miguel, e que a sua festa se celebrava, segundo o Sacramentário Veronense, em 29 de Setembro;
• e, em 2 de Outubro, fazemos memória dos santos Anjos da Guarda, celebração muito mais recente que a anterior (desde o século XV).
Os textos destas festas exprimem bem o que os anjos representam na nossa vida. Damos graças a Deus «pela criação dos anjos e dos arcanjos, objecto da vossa contemplação». Pedimos-lhe «que a nossa vida esteja sempre protegida na terra por aqueles que Vos assistem continuamente no Céu», «para que caminhemos seguros pelo caminho da salvação sob a fiel custódia dos Vossos anjos». Reconhecemos a cen-tralidade de Deus, mas, ao mesmo tempo, cremos na existência dos anjos e veneramo-los, convencidos de que «a honra que lhes tributamos manifesta a vossa glória, e a veneração que merecem é sinal da vossa imensidade e exce¬lência sobre todas as vossas criaturas».
Crer nos anjos é crer na proximidade de Deus e nas mil formas que tem de nos ajudar no nosso caminho. Claro que Deus manifestou-se-nos sobretudo em Jesus Cristo: agora, como Senhor Ressuscitado, Ele é o nosso verdadeiro Pastor e Guia e Guardião. Mas, como ao lado de Cristo estiveram os anjos, desde o seu nascimento até à sua Páscoa, nos seus momentos de crise e de vitória, a revelação e a liturgia querem-nos dar a entender que também estão à nossa volta, misteriosamente, poderíamos dizer como «os amigos do Noivo», ajudando-nos e guiando-nos da parte de Deus. E tanto ao longo da nossa vida como sobretudo no momento da nossa morte, a recordação da presença dos anjos pode ser uma válida ajuda para o nosso caminho de fé.