Questões e respostas

Religião cristã ou Igrejas cristãs

Gostaria de saber qual foi a primeira religião cristã a ter existido, se a ortodoxa (hoje presente na Grécia e na Rússia) se a católica romana (hoje presente em Roma, na Europa ocidental e por todo o mundo).

 

A palavra religião não aparece uma única vez na boca de Jesus nem nos Evangelhos, e nos outros livros do Novo Testamento só a encontramos quatro vezes: duas nos Actos dos Apóstolos (25, 19 e 26, 5), sempre referida a S. Paulo, e outras duas na Carta de S. Tiago (1, 26 e 1, 27). Por isso, só do ponto de vista sociológico, enquanto objecto de estudo comparado com outras religiões, tem sentido falar de religião cristã ortodoxa e de religião católica romana.
A realidade à qual a história das religiões chama religião cristã, chamou-
-lhe Jesus a minha Igreja (Mt 16, 18). O que eu gosto de estudar é a história desta Igreja, desde a mais primitiva até às suas diferentes formas actuais.
É curioso notar que os primeiros escritores cristãos em vez de falarem de religião cristã, falavam antes de religião dos cristãos, como se pode ver na Carta a Diogneto, que é uma apologia do cristianismo, escrita entre os anos 190-200: “Uma vez que te vejo, ilustríssimo Diogneto, tão interessado em conhecer a religião dos cristãos e em informar-te sábia e cuidadosamente acerca do Deus em que acreditam..., aprovo o teu vivo desejo e rogo a Deus, que nos concede o dizer e o ouvir, que me seja dado falar de tal modo que tu, ouvindo, te tornes melhor e de tal modo ouças que não contristes quem te fala” (Carta a Diogneto, Antologia Litúrgica, n. 457).

A Igreja primitiva

Quando a Igreja se constituiu progressivamente, sob o impulso da doutrina de Cristo e da certeza da sua presença, ela era una, se bem que múltipla, e homogénea apesar das particularidades locais. Cedo alastrou para leste e para oeste da bacia do Mediterrâneo. Mas, no decorrer dos três primeiros séculos, ela era uma única e mesma Igreja, embora constituída por um conjunto de comunidades locais unidas pela mesma fé.
Sabe-se que a primeira comunidade cristã foi fundada em Jerusalém, sob o impulso dos discípulos do próprio Cristo. Tudo nessa comunidade era passagem do antigo ao novo, era vida nova. O Baptismo marcava a entrada do crente na nova realidade; a refeição comum, a Ceia, ou partir do pão, sinal instituído pelo próprio Jesus, era o símbolo principal da vida nova da comunhão com Deus e de uns com os outros. Esse acto comunitário tinha lugar no Domingo, o dia do Senhor.
Os homens e as mulheres que fizeram tal descoberta não podiam guardá-la só para si, antes iriam necessariamente difundi-la no seu meio ambiente imediato e levá-la até muito longe, até aos confins do mundo de então.

A Igreja dos Concílios

A conversão do imperador romano Constantino à fé cristã, no ano 313, pôs fim às perseguições de que os cristãos, perigosos para a ordem estabelecida, tinham sido vítimas até ao momento, mas representou um perigo para a Igreja. Passando em poucos anos de Igreja perseguida a Igreja protegida, depressa começarem a surgir erros na interpretação da natureza da própria Igreja e de Jesus, seu fundador. Ele não é Deus, dirá Ario, o primeiro herege. Sim, é verdadeiro Deus, definirá o Concílio de Niceia em 325. Ao primeiro herege seguiram-se outros e ao primeiro concílio outros também. Os hereges arranjam seguidores e os defensores da doutrina verdadeira dos concílios conquistam muitos mais. Foi esse um tempo em que se confrontaram doutrinas e maneiras de entender a Igreja, por vezes de forma pouco evangélica.

Cinco Patriarcados

Apesar de tudo, até então a Igreja tinha-se organizado em redor de cinco patriarcados (Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém), e soubera manter a sua unidade global. Porém, as sementes de discórdia tinham sido lançadas. A elas se vieram juntar orgulhos e vaidades dos homens, iguais em toda a parte e em todos os tempos. Cai o Império romano do Ocidente, ao passo que o do Oriente se mantém e até se desenvolve. Pedro e Paulo tinham dado a vida por Cristo em Roma. Até então os cinco patriarcados aceitavam que a autoridade do sucessor de Pedro se estendesse até eles. Mas porque havia de continuar a ser sempre assim? Não era neste momento Constantinopla mais importante que Roma? Divergências culturais resultantes do uso do latim no Ocidente e do grego no Oriente, bem depressa juntarão mais lenha à fogueira. Nascem também questões teológicas, litúrgicas e disciplinares que avolumarão os conflitos latentes. Uma é a afirmação ocidental de que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, à qual o Oriente responde que o Espírito Santo procede do Pai pelo Filho; outra é o uso do pão fermentado na Eucaristia pelos orientais e do pão ázimo pelos ocidentais; outra ainda o celibato dos presbíteros no Ocidente e o seu casamento no Oriente.
Para resolver estes diferendos, os legados do Papa Leão IX dirigem-se a Constantinopla em 1054 onde, perante as reticências do patriarca que punha em dúvida a boa fé dos emissários de Roma, depõem sobre o altar da Basílica de Santa Sofia a bula de excomunhão que acusava os Gregos, entre outras coisas, de terem subtraído o Filioque do Credo e de admitirem o casamento dos presbíteros. Em 1204, por ocasião do saque de Constantinopla pelos Cruzados latinos, o irreparável foi consumado. Daí por diante não se falará mais da Igreja de Cristo, mas da Igreja latina romana à qual faz frente a Igreja oriental ortodoxa. A partir de então, as duas partes da cristandade evoluirão separadamente.
Igreja do Ocidente e do Oriente ou religião cristã ortodoxa e religião católica romana?
Espero que esta síntese o tenha ajudado a perceber que não devemos falar de religião cristã ortodoxa e de religião católica romana, nem tão pouco perguntar qual delas é a primeira. Nasceram ao mesmo tempo. Igualmente não se trata de duas religiões diferentes, apesar das divergências doutrinais e litúrgicas entre ambas, mas sim da única Igreja de Cristo vivendo em dois lugares distintos e diversos – o Oriente e o Ocidente – cada um deles com a sua cultura, a sua sensibilidade e a sua história.


Um colaborador do SNL
(BPL 135-136)