Dicionário elementar de liturgia

José Aldazábal

 

jejum

 

Às vezes, deixar de comer obedece a motivos de saúde, regime alimentar ou necessidade e, então, não tem uma dimensão simbólica, a não ser que se faça para chamar a atenção da sociedade para algum ideal ou decisão (v.g., a «greve de fome»). A palavra «jejuar» facilmente se aplica em sentidos trasladados: abster-se do pecado, ou do ódio, ou estar «em jejum» de algo, por falta de cultura ou de informação, etc.
Aqui, chamamos «jejum» (do latim, ieiunium) à privação voluntária de comida durante algum tempo por motivos religiosos, como acto de culto diante de Deus.
Na Bíblia, o jejum pode ser sinal de Penitência, expiação dos pecados, oração intensa ou vontade firme de conseguir algo. Outras vezes, como nos quarenta dias de Moisés, no monte, ou de Elias, no deserto, ou de Jesus, antes de começar a sua missão, sublinha a preparação intensa para um acontecimento importante.
A *Didakê, dos fins do primeiro século, conhece este sentido preparatório e cúltico do jejum quando o prescreve para o baptizando, durante um ou dois dias, e o recomenda também para o ministro e outros que o acompanham (VII, 7). Desde os primórdios do Cristianismo, fazia-se jejum, semanalmente, às quartas e sextas (VIII, 1). À sexta--feira, como recordação da morte de Cristo, e, à quarta, «porque quando começava este dia, o Senhor foi detido» (ou seja, na noite de terça-feira), como diz Santo Epifânio (De fide) nos princípios do século V, citando a Didascália dos Apóstolos, do século III. Em Roma, além destes dias, jejuava-se também ao sábado. Depois, mudou-se o jejum para *abstinência, e, posteriormente, ficou só à sexta-feira.
O jejum eucarístico foi-se adoptan¬do, desde cedo, como manifestação do apreço especial e da preparação para este sacramento: abstém-se antes de outros alimentos, para dar relevo à excelência do alimento eucarístico. Pio XII, em 1953, mitigou notavelmente a prática anterior, que tinha chegado a prescrever o jejum desde a meia-noite. A partir daquele ano, ao poder celebrar--se a Eucaristia também pela tarde, a norma ficou pelo jejum de três horas e, mais tarde, o mesmo Pio XII, reduziu-a a uma hora, tanto para alimentos como para bebidas. Para os doentes, a mitigação ainda foi maior (Immensæ caritatis, de 1973, III; cf. EDREL 2726.2738), deixando-o para um quarto de hora ou menos, mitigação ampliável também aos que querem comungar com o doente.
Desde o século IV, na Quaresma – período em que fazia mais sentido o jejum – os cristãos praticavam-no, com a privação voluntária de comida, fazendo, por dia e em dias determinados, uma só refeição forte. Esta prática existe noutras culturas e religiões, com os mesmos motivos, por exemplo, os muçulmanos, no mês do Ramadão. O jejum, assim como a oração e a caridade, foram, desde muito cedo, uma «prática quaresmal», como sinal da conversão interior aos valores fundamentais do Evangelho de Cristo e à relativização de outros valores não tão centrais. Actualmente, os cristãos abstêm-
-se de carne, todas as sextas-feiras da Quaresma que não coincidam com alguma solenidade. Fazem *abstinência e, além disso, jejum (uma só refeição no dia) em Quarta-Feira de Cinzas e em Sexta-Feira Santa.
A Constituição apostólica de Paulo VI, Pænitemini, de 1966, explica bem a finalidade destas práticas penitenciais, especificando a flexibilidade que pode ter o jejum, segundo as condições sócio-económicas de um país, como já insinuava a SC 110 (cf. EDREL 3124-3125).
Mas, desde muito cedo (séc. II), adquiriu um sentido cúltico, sobretudo, o jejum pascal de Sexta-Feira Santa e de Sábado Santo. Não é um jejum de tristeza ou Penitência, mas de início da Páscoa. Um jejum que marca, nestes dois dias, a primeira fase da Páscoa, como passagem através da cruz e da morte à vida: «Tenha-se como sagrado o jejum pascal, a observar em toda a parte na sexta-feira da Paixão e Morte do Senhor e a prolongar também no Sábado Santo, se for oportuno, para se chegar às alegrias do Domingo da Ressurreição com elevação e abertura de espírito» (SC 110). Recomenda-se de modo especial que façam jejum no Sábado Santo os que, na Vigília Pascal, vão receber o Baptismo (cf. RICA, preliminares 26).