Dicionário elementar de liturgia

José Aldazábal

 

Movimento litúrgico

 

Chama-se «movimento litúrgico» ao processo de «recuperação» dos valores da vida litúrgica da comunidade cristã, que se deu entre meados do século XIX e princípios do século XX.
Quando o Concílio Vaticano II, com a Constituição Sacrosanctum Concilium (1963), deu luz verde à reforma litúrgica, esta pôde programar-se e realizar--se graças à preparação e à maturação do Movimento Litúrgico, fenómeno tão vasto, que comportou a actividade dos mosteiros, centros de estudo, estudiosos, pastores, congressos e intervenções magisteriais dos diversos Papas.
Vale a pena recordar, como nomes importantes neste movimento, D. Guéranger que, a partir de Solesmes (por si restaurado em 1833), despertou o amor à liturgia romana, com a publicação de O Ano Litúrgico e suas Institutions Liturgiques; D. Lambert Bauduin, já no século XX, que, com uma intenção mais pastoral, impulsionou a formação litúrgica dos sacerdotes e dos fiéis, particularmente a partir do Congresso de Malines de 1909, com os seus escri¬tos, sobretudo, A Piedade da Igreja e a revista Les Questions Liturgiques et Paroissiales; Pius Parsch, em Klosterneuburg (Áustria); Odo Casel do mosteiro Maria Laach, na Alemanha; José António Jungmann, com os seus estudos sobre a história da Missa; Romano Guardini, por exemplo, com as suas reflexões sobre O Espírito da Liturgia; Mario Righetti, com a sua História da Liturgia; a Rivista Liturgica italiana, fundada em 1914. E também os nomes de centros como os grandes mosteiros de Solesmes, Maria Laach, Mont-César, Beuron, Maredsous, o Instituto Litúrgico de Paris, de Trier (Alemanha) e Santo Anselmo, em Roma…
Também foram decisivas as intervenções dos Papas do século XX, ao «apadrinharem» oficialmente a iniciativa. S. Pio X, em 1903, com o seu Motu Proprio Tra le sollecitudine, fez um chamamento à purificação do canto e da música na liturgia, e deu a orientação de que «os fiéis devem encontrar o verdadeiro espírito cristão na sua fonte primeira e indispensável, a participação activa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja».
Pio XII escreveu as suas grandes encíclicas, Mystici Corporis, de 1943, sobre a Igreja, e a Mediator Dei, de 1947, sobre a Liturgia que foi a magna carta da Liturgia até ao Concílio e inspirou, em grande parte, a Constituição litúrgica do mesmo. Em 1948, nomeou uma comissão para a reforma da Liturgia; em 1951, reformou a Vigília Pascal; em 1955, a Semana Santa; em 1955, simplificou rubricas e textos da Liturgia das Horas; em 1956, introduziu a missa vespertina; e, em 1955 e 1958, publicou duas instruções sobre a música sagrada.
Também há que nomear João XXIII, que, ainda antes de anunciar e convocar o Concílio, em 1959, já tinha dado mostras de um espírito pastoral e litúrgico, sobretudo com as suas visitas às paróquias e a celebração das «estações quaresmais».
Em Portugal, todos esses contributos mereceram especial reflexão nos Congressos Litúrgicos de Vila Real (1926), Braga (1928), Lisboa (1932) e Porto/Santo Tirso (1932). Entre os grandes animadores nacionais devem mencionar-se, especialmente, D. António Coelho (Mosteiro de Singeverga) e Mons. Pereira dos Reis (Seminário dos Olivais), através das revistas Opus Dei, Mensageiro de S. Bento, Ora et Labora e Novellae Olivarum. Também já desde 1927, Mons. Freitas Barros deixou profundos sinais desta renovação nas diversas edições da tradução portuguesa do Missal. Ainda durante os trabalhos conciliares, foi constituída, em Portugal, a Comissão Episcopal da Liturgia que, com o seu Secretariado, garantiu a tradução e edição de todos os novos livros litúrgicos. Desse impulso nasceram os Encontros Nacionais de Pastoral Litúrgica que, ainda agora, anualmente, se reúnem em Fátima.
Toda esta série de pessoas e acções que constituem o Movimento Litúrgico, com estudos históricos e teológicos, com esforços de divulgação entre o cle¬ro e o povo, com reformas parciais dos cânticos e das celebrações, e com tentativas também de introdução das línguas vivas (por parte de Pio XII), preparou os ânimos e os materiais para o que a seguir ia ser a obra magna do Concílio, a reforma litúrgica.

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